Mito de Tiradentes


Você sabe o que é mito?
Então, vamos entender primeiro o que é um símbolo.



Figura ou imagem que representa o que é real na visão do autor; pode ser existente somente nas idéias, sem base material, logo, que não se vê. Nas Artes representa o que não faz parte do mundo real. Ta! Mas o que isso tem haver com o Mito de Tiradentes?

O mito serve para explicar simbolicamente uma tradição, regulando uma sociedade, o mito explica determinada cultura através da criação de deuses, semi-deuses e heróis (nesse caso se esse for associado a algum tipo de sacrifício ele será valorizado ainda mais, pois, herói que se preze tem que atender a necessidade da sociedade). No caso da primeira República brasileira, esse “novo” mito, Tiradentes, cumpre o objetivo de “ofuscar” o mito principal do Império que foi D. Pedro I. Afinal de contas ele havia tornado o Brasil independente de Portugal.


Acreditamos que por não se tratar de um movimento de origem popular ou por não envolvê-la diretamente, a República não construiu personagens que pudessem marcar sua realização, tendo encontrado dificuldades em formar seus próprios heróis, daí a reapropriação de alguns personagens e de seus ideais, aproximando-os do imaginário que se queria construir para a República. Pensamos que os participantes do movimento de 15 de novembro não tinham prestígio junto à população mais humilde, dentre esses incluímos os ex escravos que tinham adoração pela figura do imperador D. Pedro II e sua filha Princesa Isabel, logo, foi necessário buscar em nossa história algum personagem que pudesse representá-la, transformando Joaquim José da Silva Xavier em herói. Assim a República se apropria e transforma a imagem de Tiradentes.


O alferes passava a ser retratado com características que permitissem uma leitura dos ideais deste novo regime. Em algumas imagens Tiradentes será retratado com cabelos e barbas longas, com vestimentas simples, mas por curiosidade, poderíamos nos perguntar se sua representação estaria de acordo com a realidade, pois em geral, prisioneiros têm seus cabelos e barbas raspados. Será que a construção desta imagem de Tiradentes, com cabelos e barbas longas, não tinha como intenção aproximá-lo da imagem de um Jesus, para uma maior assimilação da população, especialmente dos mais os humildes, ou seja, a população não conhecia Tiradentes, mas reconheceria nesta imagem características simbólicas comuns a do redentor ou salvador “Jesus Cristo”, o que implicava em ver a República também como redentora. Assim, Tiradentes passava a ter aceitação popular, seguindo a lógica, se Jesus Cristo era o Salvador das Nações, Tiradentes era o salvador da Pátria brasileira. O sacrifício como fenômeno caracterizava ambos com a libertação e conquista de uma nova realidade. A República foi proclamada há 122 anos, era então proclamada por um salvador, que nos permitira conquistar um novo regime e uma condição de país próspero e moderno. Consolidava-se portando a imagem ao fato histórico e se constituía a partir disto um símbolo, que torna praticamente impossível não pensarmos em Tiradentes como salvador da Pátria e herói nacional, como aparece abaixo:



Martírio de Tiradentes, óleo sobre tela 
de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo (1854 — 1916).

Existem historiadores (Como Kenneth Maxwell) que referenciam Tiradentes como um “bode expiatório”, pois afirmam que ele sendo Alferes (Sub-Tenente) não sabia por completo de todos os planos da Inconfidência Mineira e, portanto, não comandaria coronéis, militares e intelectuais que foram outros personagens que participaram da Inconfidência. Mas para República era importante recuperar alguns elementos de um fato como a Inconfidência e incorporá-la aos ideais de liberdade. Segundo Kenneth Maxwell (Maxwell, A devassa da devassa. p.220), “Tiradentes enfrentou a morte de forma bastante serena, clamando para si a responsabilidade da Inconfidência, defendendo Minas Gerais, livre e republicana”, perfil que se enquadrava perfeitamente as necessidades de construção da imagem e de uma identificação nacional para a população, que a República almejava consolidar.

A partir desse fato podemos dizer que para atender as aspirações da sociedade (mais propriamente dos mentores da República) a imagem de Tiradentes foi forjada e renovada continuamente para representá-la. Como nos dizia José Murilo de Carvalho (Carvalho, A Formação das Almas,p.41), “o segredo da vitalidade do herói talvez esteja afinal nessa ambiguidade, em resistências aos continuados esforços de esquartejamento de sua memória”.