Iconografias

Tiradentes, Décio Villares

Quando olhamos esta imagem o que podemos destacar? 

Analisando essa primeira imagem percebemos que a barba e o cabelo compridos assemelham o personagem a outro personagem histórico, Jesus Cristo. Quando buscamos este tipo de semelhança, o que mais podemos imaginar? Além das características físicas o que mais podemos associar?

Pare, pense. Esta associação é feita de forma descomprometida ou visa algum propósito?

O autor Décio Villares era positivista e como tal defendia seus ideais, transmitindo-os em suas obras de arte. Observando mais detalhadamente a imagem acima, podemos perceber Tiradentes retratado com um olhar sereno, apaziguador, incitando a “ordem”, que é um dos dogmas do positivismo. Ordem e serenidade na defesa de uma causa. A corda chama atenção por ser fina. Essa representação de Tiradentes nos inspira então a perceber e destacar alguns elementos que serão reforçados para definir uma postura patriótica, nos permitindo capturar alguns dos recursos utilizados para construção da imagem de um herói. Fato que nos possibilita compreender por que Tiradentes, sua representação foi aceita pela sociedade, prevalecendo até hoje em nossa memória, a imagem de um mártir.



Martírio de Tiradentes, óleo sobre tela de 
Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo (1854 — 1916)


Essa representação é importante pois percebemos outros atores no cenário e diversos elementos que ajudam a forjar a imagem de herói. Observe a corda entrelaçada no pescoço de Tiradentes, ela está frouxa e não aparenta ameaçar, enforcar. É fina e delicada, bem diferente da que realmente foi usada para a execução. A presença de uma pomba da paz e o céu azul com aves voando, traduzindo resignação e esperança de que o sacrifico não será em vão.

A imagem enaltece a paz que Tiradentes estaria buscando para Pátria, se sacrificando em prol de uma pátria independente de Portugal. Outro elemento bastante característico, já destacado na figura anterior, são a barba e o cabelo longos fazendo alusão direta a Jesus Cristo. Além da associação com Jesus, podemos dizer que a religião católica se faz presente nesse quadro do martírio, através da figura do padre que daria a extrema unção de Tiradentes. O que demarca a existência de outros personagens importantes na construção dos fatos históricos que demarcam nossa trajetória.

A escravidão se faz presente no quadro através do carrasco que coloca a mão nos olhos como uma espécie de arrependimento pelo que iria fazer e pelo fracasso da Inconfidência. Demonstra a hierarquia social da época e, também, como o personagem principal (Tiradentes), está próximo e deve ser visto como igual aos mais humildes, sem condições, inclusive de liberdade. Desperta atenção o fato de que, segundo historiadores, os escravos de Minas Gerais, que participaram da Inconfidência direta ou indiretamente, seriam libertos. O que uma informação como está nos permite interpretar? Você consegue descrever?


                                                       
“Tiradentes Esquartejado”, de Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843 - 1905), 
Imagem: Divulgação/FUNDAÇÃO MUSEU MARIANO PROCÓPIO - MG

Essa representação de Pedro Américo é expressiva, mais uma vez faz-se alusão a semelhança entre Tiradentes e Jesus Cristo. Observe ao lado da cabeça de Tiradentes o crucifixo com a imagem de cristo.

Cabelos e barba compridos, traços faciais serenos e a própria cena do esquartejamento remetem ao sacrifício e a violência cometida contra aquele que deseja o bem da pátria. O braço exposto faz menção ao quadro de “Maret assassinado”, que foi líder da Revolução Francesa, que derruba a Monarquia e instaura a República. Ao fazer paralelo a outro evento histórico, a República, reforça os ideais de liberdade que diz defender e justifica e legitima a derrubada da Monarquia.
A forca retratada na imagem faz alusão a cruz de Cristo, como se Tiradentes fosse o salvador. As partes dilaceradas do corpo são apresentadas a semelhança ou formando o mapa do Brasil, com o objetivo de reforçar a busca do ideal da Identidade Nacional, cujas partes (os Estados) deveriam ser formar o todo. Não temos conhecimento, antes deste evento, das partes do corpo ter sido exposta dessa forma.


Alferes Joaquim José da Silva Xavier, Quadro de José Wasth Rodrigues,

Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

Ao analisar a imagem acima pode ser percebida uma postura militar, relacionada aos deveres de um militar como: patriotismo, civismo, fé na missão do exército, amor a profissão. Devemos lembrar que Tiradentes chegando ao posto de alferes (subtenente). Deveria ser retratado como um herói, pois dava mais um honra ao exército que estava ascendendo como força política na primeira República.

Tiradentes aparece sem barba retratando o herói antes da prisão, vestido com a roupa de militar, sem a barba e os cabelos compridos. Na criação do mito, o lado militar seria deixado de lado em favor do aspecto de mártir.


Tiradentes Por F.G Yazbeck Design Débora Bianchi Ilustrações Sattu 
revista Aventuras na HistóriaEdição 80-Mar. 2010 


Essa imagem foi retratada pela Revista Aventuras na História. Ela nos mostra uma imagem diferente de Tiradentes, sem barbas ou cabelos longos. Aqui nos parece mais próximo do que os relatos históricos apontam sobre como deveriam ser os prisioneiros. O padre nesse cenário não aparece esboçando reação alguma, simplesmente da extrema unção. O carrasco também não parece se sentir fracassado (pois se a Inconfidência desse certo, os negros de Minas Gerais seriam libertos) e simplesmente acata a ordem que lhe foi designada. Tiradentes aqui é colocado em uma posição inferior a escrava, sendo enforcado por um deles.

Observarmos que a corda aqui aparece mais grossa, como se realmente o intuito fosse enforcar Tiradentes. Nesta imagem destaca-se o fato de existir pessoas assistindo ao enforcamento, o que poderia significar tanto a concordância com a punição, como também, representar o não entendimento do que de fato estava acontecendo. A cruz no pescoço de Tiradentes mostra como a religião, ou a Igreja como instituição, marca presença importante na estrutura de poder da sociedade brasileira.

As iconografias apresentadas nos permitiram observar o modo como este personagem foi historicamente construído, ressaltando os aspectos que foram significativos para sua consolidação como uma representação do nacional e de uma identidade, forjando uma história de pertencimento. Ao mesmo tempo, elas demonstram também, como esta representação vai sendo repassada, geração a geração, fortalecendo determinado modo de se escrever e contar a história. Desde a República, o enforcamento de Tiradentes, a sua imagem e trajetória de vida, foram sendo recontada por diferentes grupos, mas mantendo a mesma interpretação, o que permitiu a constituição de uma imagem de herói.

A primeira República ao elevar Tiradentes ao status de “Herói Nacional”, valorizando-o em seu discurso e ressaltando sua importância para o Manifesto Republicano, consagra-o, a partir de seus interesses, como o Salvador da Pátria. Essa estratégia utilizada pela República fortaleceu o herói, transformando-o em um mito, paralelamente fortaleceu pela consolidação de símbolos, sua representação como regime, associando a história de um a do outro, inclusive, levando muitos a não percebe o deslocamento temporal que marca o evento da Inconfidência Mineira e a Proclamação da República.

Ao trabalharmos com a iconografia temos com objetivo incluirmos outras fontes de conhecimento como recurso de ensino para o ensino da História. Como os próprios livros didáticos incorporam a iconografia, mas não demonstram como utilizá-las, relegando as mesmas apenas o contexto de ilustração, nos pareceu pertinente possibilitar ao aluno a possibilidade de aprender a utilizar este recurso e a desenvolver uma reflexão acerca dos fenômenos históricos, complementando as demais informações que podem ser adquiridas no próprio livro didático.


Acreditamos que esta estratégia foi possível de êxito por contar com um contexto historiográfico que possibilitava ou definia a história a partir de grandes eventos ou de grandes personagens, fossem eles reais ou construções, o que denominamos de história tradicional.

Cabe ressaltar que a não inclusão em alguns livros didáticos da figura de Tiradentes, mesmo tendo todos nós o dia 21 de Abril como o dia de Tiradentes, nos leva a supor que isto corrobora para manutenção do mito e da história do herói, não propiciando uma reflexão sobre a construção deste fenômeno. A ausência as vezes pode ser um recurso de manutenção de representação, tornando comum e acrítica as reflexões acerca do fenômeno.