terça-feira, 14 de junho de 2011

Mito de Tiradentes

Você sabe o que é mito? Então, vamos entender primeiro o que é um símbolo. Figura ou imagem que representa o que é real na visão do autor; pode ser existente somente nas idéias, sem base material, logo, que não se vê. Nas Artes representa o que não faz parte do mundo real. Ta! Mas o que isso tem haver com o Mito de Tiradentes?

O mito serve para explicar simbolicamente uma tradição, regulando uma sociedade, o mito explica determinada cultura através da criação de deuses, semi-deuses e heróis (nesse caso se esse for associado a algum tipo de sacrifício ele será valorizado ainda mais, pois, herói que se preze tem que atender a necessidade da sociedade). No caso da primeira República brasileira, esse “novo” mito, Tiradentes, cumpre o objetivo de “ofuscar” o mito principal do Império que foi D. Pedro I. Afinal de contas ele havia tornado o Brasil independente de Portugal.

Acreditamos que por não se tratar de um movimento de origem popular ou por não envolvê-la diretamente, a República não construiu personagens que pudessem marcar sua realização, tendo encontrado dificuldades em formar seus próprios heróis, daí a re-apropriação de alguns personagens e de seus ideais, aproximando-os do imaginário que se queria construir para a República. Pensamos que os participantes do movimento de 15 de novembro não tinham prestígio junto à população mais humilde, dentre esses incluímos os ex escravos que tinham adoração pela figura do imperador D. Pedro II e sua filha Princesa Isabel, logo, foi necessário buscar em nossa história algum personagem que pudesse representá-la, transformando Joaquim José da Silva Xavier em herói. Assim a República se apropria e transforma a imagem de Tiradentes.

O alferes passava a ser retratado com características que permitissem uma leitura dos ideais deste novo regime. Em algumas imagens Tiradentes será retratado com cabelos e barbas longas, com vestimentas simples, mas por curiosidade, poderíamos nos perguntar se sua representação estaria de acordo com a realidade, pois em geral, prisioneiros têm seus cabelos e barbas raspados. Será que a construção desta imagem de Tiradentes, com cabelos e barbas longas, não tinha como intenção aproximá-lo da imagem de um Jesus, para uma maior assimilação da população, especialmente dos mais os humildes, ou seja, a população não conhecia Tiradentes, mas reconheceria nesta imagem características simbólicas comuns a do redentor ou salvador “Jesus Cristo”, o que implicava em ver a República também como redentora. Assim, Tiradentes passava a ter aceitação popular, seguindo a lógica, se Jesus Cristo era o Salvador das Nações, Tiradentes era o salvador da Pátria brasileira. O sacrifício como fenômeno caracterizava ambos com a libertação e conquista de uma nova realidade. A República foi proclamada há 122 anos, era então proclamada por um salvador, que nos permitira conquistar um novo regime e uma condição de país próspero e moderno. Consolidava-se portando a imagem ao fato histórico e se constituía a partir disto um símbolo, que torna praticamente impossível não pensarmos em Tiradentes como salvador da Pátria e herói nacional, como aparece abaixo:

Martírio de Tiradentes, óleo sobre tela
de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo (1854 — 1916).

Existem historiadores (Como Kenneth Maxwell) que referenciam Tiradentes como um “bode expiatório”, pois afirmam que ele sendo Alferes (Sub-Tenente) não sabia por completo de todos os planos da Inconfidência Mineira e, portanto, não comandaria coronéis, militares e intelectuais que foram outros personagens que participaram da Inconfidência. Mas para República era importante recuperar alguns elementos de um fato como a Inconfidência e incorporá-la aos ideais de liberdade. Segundo Kenneth Maxwell (Maxwell, A devassa da devassa. p.220), “Tiradentes enfrentou a morte de forma bastante serena, clamando para si a responsabilidade da Inconfidência, defendendo Minas Gerais, livre e republicana”, perfil que se enquadrava perfeitamente as necessidades de construção da imagem e de uma identificação nacional para a população, que a República almejava consolidar.

A partir desse fato podemos dizer que para atender as aspirações da sociedade (mais propriamente dos mentores da República) a imagem de Tiradentes foi forjada e renovada continuamente para representá-la. Como nos dizia José Murilo de Carvalho (Carvalho,A Formação das Almas,p.41), “o segredo da vitalidade do herói talvez esteja afinal nessa ambiguidade, em resistências aos continuados esforços de esquartejamento de sua memória”.

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